O caminho para a liberdade
O medo de sofrer represálias impediu que Marília (personagem citada no início do texto) denunciasse o ex-marido pelas agressões físicas, psicológicas e sexuais das quais era vítima. Por temer o comportamento possessivo do ex-parceiro, a comunicadora renunciou à carreira e à vida social.
A permanência de mulheres em relacionamentos abusivos, muitas vezes, é estimulada por fatores sociais e econômicos. "Embora eu trabalhasse, o meu salário não era suficiente para pagar todas as despesas, principalmente porque o meu filho era criança. Eu não queria pedir ajuda financeira para a minha família".
O receio de não ser amparada também contribui para que a vítima continue com o algoz, segundo indica a psicóloga Luma Borges. "Às vezes, a vítima até reconhece o crime, mas não quer aceitar. A mulher tem vergonha de expor, tem medo de não ser ouvida, não sabe se vai encontrar suporte, teme ouvir 'mas ele é seu marido'. As mulheres que são abusadas se culpam. Pensam que poderiam ter evitado. É ainda mais complicado quando a pessoa que violentou é parceira da vítima. Cria-se uma estrutura para proteger o agressor".
Quando ameaçava terminar com o então esposo, Marília era alvo de chantagens emocionais e promessas de mudança. "Falava que estava arrependido, e eu perdoava. Ficava calmo por alguns dias, mas depois piorava".
As negativas sexuais da comunicadora eram atribuídas a supostos amantes. "Quando ele me procurava para transar, se eu negasse, ele falava que eu tinha outro homem, que estava traindo ele".
O crescimento do filho encorajou-a a pôr fim no casamento, para evitar que o garoto testemunhasse e reproduzisse condutas agressivas. "O meu então ‘companheiro’ ficou com medo do meu filho se envolver nas nossas discussões. Um dia, descobri que ele estava me traindo. Aproveitei que estava apaixonado e terminei. Ele exigiu ficar com a casa, eu deixei".
Desde que colocou um ponto final no relacionamento, Marília experimenta a liberdade que lhe foi confiscada. Já se passaram 10 anos. Porém, a recuperação da autoestima e da autoconfiança é um processo diário. O trauma ainda está presente.
"Até hoje, eu evito namorar, tenho trauma. Quando vejo que o homem quer algo mais sério, eu já termino. Não sei se é medo. Mas eu nunca mais coloquei outro homem dentro de casa, não chega nem na calçada".
"Um processo terapêutico envolve tempo. A pessoa precisa estar disposta a enfrentar, muitas vezes, assuntos que estavam ocultos. O primeiro passo é compreender que sofreu uma violência. No processo terapêutico a gente começa a nomear comportamentos. A partir disso, a pessoa cria repertório para que as atitudes não se repitam".